Crônicas



Cenário



Os cascos do corsário fincavam o solo, e uma nuvem de poeira se erguia as minhas costas, Sem olhar pra traz, segurava com determinação as rédeas do animal veloz. Podia ouvir as batidas frenéticas do seu coração em sintonia com o meu, músculos rígidos revelava sua força. O vento esbofeteava minha face, colorindo minhas bochechas; anestesiada, cravava minhas coxas com toda minha força no seu dorso, já não tinha medo, nós éramos um só, a correr livre ao encontro do futuro que nos aguardava ansiosamente.

O horizonte se apresentava como colírio em meus olhos, tudo ficava mais claro, me atrevi por um raio de segundos a olhar para traz, e nada encontrei, o cenário que deixei para traz se vestiu de poeira, puxei as rédeas repentinamente, e o relinchar do animal cortou o espaço. Fiz menção em invadir a nuvem de poeira, mas o animal não obedecia, manobrava as rédeas em vão, e quanto mais eu insistia, mas o animal se enfraquecia, eu já não ouvia mais as batidas de seu coração, nem sentia seus músculos rígidos, ele havia se tornado apático.

Abandonei a montaria, e fui caminhado em passos rápidos em direção ao cenário do qual e havia deixado par traz,porém à medida que me aproximava, faltava-me o ar,minha visão se turvava, minhas pernas se enfraqueciam, a boca seca, esfregava os olhos na tentativa de reconhecer o que havia deixado por detrás daquela nuvem, sem êxito. Permaneci algum tempo com os joelhos dobrados sobre o solo, e de repente a nuvem começou a se dissipar, e o que eu vi me causou horror. Tudo tinha se deteriorado, pouca coisa restara, daquele cenário em que eu vivi; o solo infértil, os verdes deram lugar para os galhos secos,os rios evaporaram-se, o ar carregado de poluição, formas humanas a rastejar entre os galhos a procura de saciar sua sede, tudo era sombrio, avistei mais adiante, um riacho, corri em sua direção, com a esperança que ainda haveria vida naquele lugar, mas para minha surpresa,as águas que ali corriam, não eram límpidas nem cristalinas, seu aspecto era de vinho, molhei minhas mãos e levei a boca, quando cuspi imediatamente, era sangue; corri meus olhos ao redor e reconheci minhas flores, ao me aproximar, elas estavam mortas e de seus caules vertia o liquido que tingia as águas. A luz do sol ocultou-se daquelas paisagens, deixando rastros de abandono, Pus-me a correr ao meio dos arbustos alucinada a procura da morada que me abrigara, busca em vão, nada restara. Minhas pernas já não mais obedeciam, a fadiga se apossou de mim, de repente tropecei em algo, ali estava meu livro, paginas amareladas ruídas pelo tempo, a capa mostrava uma silhueta desbotada, comecei a folhar, porém para minha surpresa só havia vestígios de letras. Levei ao meu peito aquelas paginas e me agarrei a lembranças de tudo que ali registrei. O vestuário impecável, cabelos cuidadosamente arrumados, jóias que eu usava com elegância, unhas delicadamente tratadas, o sorriso a iluminar a face rosada, podia ouvir a musica que embalava meus passos, os rostos que me acompanhavam as venturas, os amores recheado de fantasias, projetos e sonhos que nunca se concretizaram, os amigos que socorri nos momentos de dor, o amigo que ouviu meus lamentos, as lagrimas que me afoguei tropeços, decepções, ódio, traição, ilusões, rejeição, abandono, solidão. A cada tempestade um recomeço, entretanto percebi que mesmo recomeçando, eu não ousava me desfazer do velho, eu guardava amorosamente tudo nos compartimentos mais obscuro da alma. Ainda com o que restou daquele livro nas mãos continuei a caminhar com muita dificuldade, e logo mais adianta notei um casebre, com portas e janelas corroídas por cupim, adentrei amedrontada, me enroscando em teias de aranha, mobília coberta de pó, cortinas sem cor repleta de traças, num canto uma mesa, e sobre ela reconheci um computador deteriorado,o mesmo que usei para registrar minhas historias, restos de bitucas de cigarro no cinzeiro, e a xícara de café ainda com resíduos do liquido negro que me aquecia, levantei-a e levei um susto, a mesma se diluía em minha mão, dei um pulo para traz,e me atrevi a tocar o teclado do computador o mesmo aconteceu, me pus então a tocar tudo em minha volta, e assim como mágica tudo se dissipava, uma força tomou conta de mim, já podia respirar sem grande dificuldade, minhas pernas sustentava meu corpo sem esforço, a sombra que revestia aquele lugar deu espaço para luz entrar, aos poucos minhas vistas foram clareando, avistei mais adiante meu alazão, a relinchar, com seus músculos rígidos, a crina empinada, de prontidão esperando por mim.

Finalmente eu estava pronta, minha alma tinha espaço para o novo entrar, olhei pela ultima vez ao meu redor, e notei que o livro caído aos meus pés já não era o mesmo, sua capa dourada, folhas brancas, porém sem letras, a espera de uma nova historia
Montei no meu alazão e saímos em disparada, novamente éramos um só coração a bater no mesmo ritmo, rumo a novas aventuras.
Avistei uma colina e adentrei sem medo do que iria encontrar, me deparei com um cenário que até então não conhecia, as águas que corriam nos rios eram calmas, sua coloração era rosada, e alguns trechos se agitavam de forma suave, mergulhei meus dedos e pude sentir sua temperatura morna, sem pensar me despi e banhei-me, vi espécies de vidas desconhecidas até então para mim, diferentes, apenas diferentes porém comum, e quanto mais eu nadava, mais me encantava com o novo. Percebi que um par de olhos me observava, instintivamente pulei para fora da água correndo em direção onde havia deixado minhas roupas. Foi tudo tão rápido, quando percebi aquele homem estava diante de mim, era um ancião, seu aspecto era doce, gentil, carinhosamente pegou a minha mão e me conduziu.

Como um guia turístico, me apresentando aquele cenário.

Espécies de flores que eu desconhecia, animais tão esquisitos que me fazia rir, eu me via como criança a descobrir o mundo, corria, tropeçava, reclamava, me encantava com os pássaros exóticos, e ele serenamente a me explicar a origem de cada coisa.

Minha fome pelo saber aumentava a cada minuto, porém o sábio ancião me dizia: “tudo há seu tempo”.
“devemos ter a sabedoria de nos alimentar o necessário, a gula nos leva ao desequilíbrio, gerando doenças.”

Continuei por algum tempo a desbravar aquele cenário me deixando levar por aquelas mãos suaves. Quando dei por mim, eu já não tinha pressa, aprendia tudo o que eu podia, sem me preocupar se iria ser útil ou não, aprendi a aprender pelo simples prazer de aprender.
Anoiteceu e junto chegou às estrelas a enfeitar o céu, a lua a refletir nas águas,
E o piá da coruja, os ruídos noturnos, me acalmou mais ainda, e notei que embora eu tivesse tido um dia cheio de aventuras, eu não estava cansada, me sentia forte renovada, acomodei-me ao leito improvisado e ao lado da minha cabeça estava o livro de capa dourada, tomei ele as mãos e folhei as primeiras paginas, e para minha surpresa, letras desenhadas faziam parte delas, as aventuras daquele dia, estava registrada ali,uma nova historia surgia.

O cenário, era outro, as historias eram outras, porem os sentimentos ainda eram os mesmos, apenas eu agora aprendia a lidar com eles, enfim deixei o novo entrar.

Autoria: Laddy_ro


 
A arte de crescer

Sou pequenina, ainda não sei falar, não sei andar, não sei sentar, não sei pegar no talher para levar a boca.
Só me comunico, chorando, sorrindo, bocejando, resmungando.
Faço movimentos com as pernas, com as mãos, mas não saio do lugar.
Enfim sou uma criança.

Será que já nos tornamos adultos? – sem duvida achamos que sim.
Então pare para pensar, quantas vezes ainda, não sabemos falar o que sentimos, quantas vezes ainda não sabemos, nos portar socialmente.
Vivemos nos lamentando em choradeiras intermináveis, sorrimos sem gargalhar, resmungamos de tudo em reclamações sem fim.
Andamos, corremos, mas não conseguimos sair do lugar.
Tentamos dar alguns passos, tropeçamos, caímos, e algumas vezes nos ferimos tão profundamente, que simplesmente somos invadidos pelo medo de tentar novamente, não somos capazes de arriscar um novo passo, então vem a acomodação com certeza temos a convicção que é mais seguro, é nossa defesa.
E com isto a vida vai passando, e nos aconchegamos na preguiça.
É verdade dá muito trabalho crescer.
Crescer, é ter a consciência, que quanto mais aprendemos menos sabemos,
Crescer é saber, que não chegaremos a lugar algum sozinho, porque sempre precisaremos segurar não mão de alguém.
Crescer é sempre recomeçar, encarando o novo, mesmo que o medo se coloque ao nosso lado.
Crescer é assumir nossas fraquesas, e combate-las ferozmente.
Crescer é respeitar nossos limites e os alheios.
Crescer, é nos despir de crenças impostas a nós, e mergulhar na nossa alma e deixar fluir nossa própria essência.
Crescer é o respeito com as diferenças somos únicos.
Mas apesar de sermos únicos, e tão diferentes um dos outros, só cresceremos juntos nos dando as mãos, para que um se apóie no outro, e através desta caminhada em conjunto, trocaremos informações que nos auxiliará a esta arte, que só pode ser executada com mais de duas mãos.
Lembremos que os primeiros passos de uma criança são dados ao segurar uma mão.

Autoria: Laddy






Escolhas


Esperamos verdades que jamais teremos, inalamos mentiras vertiginosas das quais nem nos apercebemos.
Insistimos em nos convencer que tudo vai melhorar, sem ao menos acreditar.
O certo é que o incerto é nossas certezas absolutas, que ainda não distinguimos o bem e o mal.
Adormecemos abraçados na esperança que o nosso despertar será a grande virada, outra vezes o peso das desilusões nos cobre aquecendo nossa alma,nos embalando o sono atormentado.
Exibimos nossa tatuagem, cuja figura se revela em um ponto de interrogação, ausentes de respostas que nos tranqüilize.
Falamos de amor, e destilamos rancor, buscamos alegrias e nos embriagamos de melancolias, clamamos pela paz, recheados de agressividade.
Nossas lagrimas já não tem sabor do sal, mas sim o sabor do fel.
O riso esqueceu sua origem, sua morada, e vive nas margens da boca, a mendigar atenção.
Pobre de oxigênio, o coração bate fraco, e não recebe atenção.
Prostrados, informatizados, ignorados, globalizados, chips ligados nos cérebros, maquinas humanas.
Onde está nossa alma? Esquecida em um canto qualquer? Por onde andas tu alma bendita, num vale de sombras, gélida, estarrecida?
Entorpecida através de novos tempos, se entrega ao descaso, esquece o passado, em que era atrelado ao sonho e um futuro de humanos e não de maquinas.
Hoje rejeitada, sem ninguém que te dê um prato de comida, que mate sua sede,
Vive ultrajada, maltrapilha, banalizada.
Olhou tanto pra ti mesma, que te esqueceis de ver o que tinha ao teu redor, e foste esquecida por ti mesma.
Falam muito de esperança, porém esperança não cabe mais em nossos tempos, não podemos mais esperar, a hora é o agora, resgatar nossa alma esquecida, e dar-lhe a chance de recuperar-se.
Trazer de volta, a dignidade, compaixão, solidariedade, respeito, lealdade, amor.
Soa falsas estas ultimas palavras, talvez, porém um dia elas transbordaram verdade, e se um dia esta verdade existiu, sinal que podem voltar ao nosso presente, mesmo porque apesar de tudo que hoje somos, ainda assim resta uma gota de humanidade em nós, sujeitos a transformações.
Ou então optar por exterminar de vez os humanos e gerar um mundo de maquinas programadas para matar em nome do amor, larapiar em nome da esperteza, racionalizar em nome do orgulho, humilhar em nome da vaidade...

Somos livres para escolher, porém obrigados a pagar o preço.

Autoria: Laddy_ro